CONTEXTO
Na segunda metade da década de 2010, o mundo passou a discutir novas leis para regulamentar como as empresas e governos deveriam tratar os dados pessoais. Em 2016, a União Europeia aprovou a GPDR (General Data Protection Regulation), que entrou em vigor dois anos depois.
Inspirado no modelo europeu, o Congresso Brasileiro discutiu e aprovou neste período uma legislação própria – a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), sancionada pelo presidente Michel Temer em 2018. A legislação entrou em vigor em 2020, mas com previsão legal de punições apenas a partir de 2021.
Foi neste período, também, que surgiu a pandemia da Covid-19 e as conhecidas transformações na sociedade em nível global. Uma delas foi a adoção emergencial do trabalho remoto pelas empresas e a consequente necessidade de controlarem o acesso e o compartilhamento de informações sensíveis a partir de redes descentralizadas.
Também foi neste momento que ocorreu o boom dos serviços delivery e de compras online. O fenômeno gerou, de uma hora para outra, um grande volume de dados ligados ao comportamento e aos interesses dos consumidores, de forma individualizada.
DESAFIOS
O caráter transdisciplinar da proteção de dados envolve conhecimentos nas áreas de Tecnologia da Informação, Direito, Administração, Finanças – e até outros segmentos, a depender do ramo de atuação da empresa. Por isso, os problemas a serem solucionados neste mercado demandam o trabalho de equipes com formação heterogênea e com alto nível de integração.
Por outro lado, existe um crescente repositório de conhecimento espalhado por diversos profissionais autônomos que, ao longo dos anos, vêm investindo em especializações e certificações para atuar com a LGPD. No entanto, sua atuação isolada torna mais difícil a percepção de valor por parte dos clientes, que tendem a apresentar maior resistência para contratar soluções “parciais”.
Assim, a entidade surgiu com o objetivo de promover a organização de profissionais de diferentes formações que compartilham experiências e conhecimentos específicos sobre privacidade e proteção de dados. Com isso, o mercado passa a ter acesso a soluções completas e com valores acessíveis para suas necessidades.
DESENVOLVIMENTO
A ideia de fundar a Cooprodados partiu da advogada Sylvia Urquieta, que desde 2020 vem se especializando na LGPD. Nesse processo, começou a participar de diversos grupos de estudos no WhatsApp e no Telegram.
Nesse processo, ela notou uma queixa comum entre os participantes dos grupos, muitos deles profissionais liberais autônomos: a dificuldade de encontrar clientes dispostos a pagar um valor justo pelo trabalho de consultoria especializada.
“[Os profissionais] não estavam conseguindo recuperar os valores investidos em certificações”, afirma Sylvia, que hoje preside a Cooprodados. “Até pelo fato de que, de maneira individual, não conseguíamos dar conta de toda essa gama de expertises para solucionar os problemas da empresa”. Segundo ela, a necessidade de contratar profissionais terceirizados para resolver todos os pontos ligados à privacidade e proteção de dados sempre onerava o serviço para o cliente.
À época, Sylvia já atuava no cooperativismo como professora na Coopeeb (Cooperativa de Trabalho Educacional) de Porto Alegre. “Foi quando pensei: por que não criar uma cooperativa de profissionais de LGPD, comportando as áreas de Sistemas de Informação, Tecnologia, Administração, Contabilidade, Direito,Governança etc.?”.
Como não havia experiências anteriores deste modelo de negócios, nem no Brasil, nem fora do País, o projeto teve uma gestação de cerca de dois anos. “Não existia nenhuma cooperativa nacional que pudesse nos dar o caminho das pedras”, afirma Sylvia. “Nós passamos muito tempo trocando ideias com Valdir Feller, Conselheiro de Ética da Ocergs (Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul), e o Dr. Mário De Conto, Superintendente do Sescoop/RS (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo do Rio Grande do Sul)”.
Em março de 2022, realizou-se a primeira assembleia de constituição da Cooprodados. Com atuação nacional, a cooperativa reúne profissionais multidisciplinares espalhados pelo País que prestam serviços totalmente online. “Nós somos uma cooptech”, afirma Sylvia. Cooptechs podem ser entendidas como cooperativas com modelo de negócio inovador construídas sobre bases tecnológicas – como, por exemplo, as plataformas digitais.
Entre as áreas de atuação da cooperativa estão o diagnóstico e o mapeamento da governança de dados nas organizações, bem como as ações de adequação à LGPD e treinamento dos profissionais envolvidos. Ela também oferece o serviço de DPO (Data Protector Officer) terceirizado. “A responsabilidade desse profissional não é de adequar a empresa à LGPD. A alçada dele é zelar pela permanência e manutenção da governança dos dados”, explica Sylvia.
RESULTADOS
A cooperativa hoje tem atuação nacional e conta com 14 profissionais espalhados em nove Estados.”Tem gente que tem expertise em governança, em administrativo, em contabilidade, em TI e em jurídico. Todas as habilidades necessárias para criar uma empresa”, afirma Sylvia.
Entre os primeiros projetos, destaca-se a parceria com a Fecoeduc (Federação das Cooperativas Educacionais do Rio Grande do Sul), que reúne cooperativas de ensino gaúchas. A experiência vem ampliando o know-how da cooperativa na governança de dados ligado ao segmento escolar, justamente no momento em que a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) começa a priorizar a fiscalização dos dados ligados a crianças e adolescentes.
Segundo Sylvia, mesmo sem um plano de comunicação ainda consolidado, o modelo de negócios da Cooprodados vem despertando o interesse da mídia que cobre o setor, assim como a procura por potenciais cooperados. O processo para novas admissões será aberto em 2023, quando os processos internos da cooperativa estiverem totalmente estruturados.
PRÓXIMAS INICIATIVAS
Além de abrir a cooperativa para a entrada de novos membros, a Cooprodados planeja fortalecer a sua atuação social a fim de disseminar a educação sobre a gestão de dados para um público mais amplo. "É importante difundir a ideia de que nós somos os donos dos nossos dados e temos o direito de escolher como eles vão ser usados. Aí as empresas vão começar a levar a sério um direito fundamental dos cidadãos”, afirma Sylvia.
A longo prazo, a cooperativa ainda pretende investir em sua plataforma tecnológica a fim de proporcionar tanto aos cooperados, quanto aos seus clientes, uma experiência online adequada para o acompanhamento dos serviços oferecidos. Com entregas de melhor qualidade no ambiente digital, segundo Sylvia, será possível romper bloqueios culturais e ampliar o mercado para atuação dos cooperados. “Assim como a LGPD, a transformação digital também é um caminho sem volta”, conclui a presidente da cooperativa.