Como a intercooperação pode auxiliar a inovação nas cooperativas
Uma das resposta para superar barreiras à inovação pode já estar no 6º princípio do cooperativismo. Veja como a intercooperação impulsiona projetos inovadores e cria um ambiente propício ao surgimento de novas ideias
O cooperativismo traz a união em sua essência. E não só entre os membros de uma mesma cooperativa, mas também do setor como um todo, atuando de forma conjunta. Tanto que esse trabalho colaborativo está presente nos princípios do cooperativismo - é a intercooperação. Além de fortalecer o modelo de negócio cooperativista, a intercooperação ainda pode impulsionar a inovação.
O 6° princípio define que o cooperativismo deve trabalhar junto. As cooperativas dão mais força ao movimento e servem de forma mais eficaz aos seus cooperados. Independentemente do escopo da iniciativa de intercooperação, o objetivo é sempre o mesmo: a colaboração em torno de um bem comum.
Apesar de tradicional, o princípio de intercooperação segue mais forte do que nunca e não deixa de ser uma tendência de inovação.
Neste artigo, vamos ver como a intercooperação ajuda a criar um ambiente de inovação cooperativista, apresentaremos a intercooperação digital, analisaremos como a união das coops otimiza a gestão de recursos para a inovação e iremos conhecer exemplos de inovação fomentados pela intercooperação. Boa leitura!
Intercooperação: criando um ambiente de inovação cooperativista
A inovação não pode se contentar com iniciativas isoladas. Para que a inovação seja constante, coerente e contínua no cooperativismo, é necessário que exista um ambiente propício e receptivo às ideias inovadoras.
A intercooperação ajuda a proporcionar esse ambiente. Em meio a um mundo cada vez mais volátil e cheio de transformações - sejam elas digitais, culturais ou sociais -, a inovação é imprescindível para a perenização das cooperativas e a competitividade dos negócios.
Possibilitando a inovação sistêmica
Thiago Martins Diogo, coordenador do Programa de Inovação para o Cooperativismo do Isae Escolas de Negócios, avalia que a intercooperação favorece os negócios e a inovação:
“Em função dos seus princípios, as cooperativas possuem uma certa vantagem frente a outros ambientes empresariais, potencializando as ações que já existem com base na colaboração”, declarou ao Blog do Isae.
Ele acrescenta que “quando pessoas engajadas em pensar e agir diferente se unem, isso facilita a condução de processos de inovação e de criatividade coletiva, permitindo a testagem de ideias e a ampliação de possibilidades com base em oportunidade de inovação”.
Contudo, ainda assim há desafios que precisam ser superados para a promoção desse sistema intercooperativo. Segundo Thiago, muitas instituições confundem tecnologia com inovação. “Muitas vezes, é preciso resgatar o conceito de inovação e desmistificá-la antes de passar para a prática”, explica.
Habilidades de fomento à inovação sistêmica
Rodrigo de Barros, professor de Criatividade e Inovação do Isae, acrescenta que o ecossistema de inovação deriva de uma cultura de experimentação.
Thiago argumenta, ainda, que há cinco habilidades que diferenciam profissionais inovadores dos profissionais comuns - e que elas podem ser desenvolvidas dentro das cooperativas. São elas:
- Experimentar: ideias não nascem prontas. Para aprimorá-las, é necessário testar hipóteses em busca de encontrar soluções.
- Observar: é fundamental olhar o mundo ao redor e como ele funciona. Isso inclui clientes, produtos, tecnologias, serviços e concorrentes, dentre outros. Assim, torna-se possível identificar oportunidades e elaborar novas ideias.
- Associar: conectar informações potencializa a capacidade de inovar. Dessa maneira, fica mais fácil descobrir novos caminhos por meio de ligações entre problemas, ideias e questões sem relação aparente entre si.
- Questionar: quem inova, faz perguntas. Questionamentos desafiam o pensamento padrão, especulam novas possibilidades e ajudam a desenvolver ideias.
- Ampliar a rede de contatos: o networking permite o contato com pessoas das mais diversas culturas, experiências, opiniões e pontos de vista. Isso ajuda a ampliar os horizontes - algo fundamental para inovar.
Cooperativismo: um modelo com DNA inovador
Como mostramos neste artigo, o cooperativismo é um modelo de negócios cada vez mais atual e inovador. E um dos motivos para isso é, justamente, a intercooperação.
O efeito de rede - ou seja, a disseminação de uma inovação para que ela se torne viável e agregue valor - é intrínseco ao cooperativismo. Apesar de ser visto como um conceito preponderante na nova economia, o efeito de rede é, na verdade, a base da operação das cooperativas.
A ideia do efeito de rede é que, quanto maior for o acesso a algum produto ou serviço, maior vai ser, também, a demanda. No caso das coops, os próprios cooperados constroem a comunidade, de forma a dar escalabilidade aos projetos de inovação.
A intercooperação potencializa ainda mais esse fenômeno de disseminação de iniciativas inovadoras. Unindo forças, recursos tecnológicos e base de cooperados e clientes, as cooperativas aumentam a rede de impacto e a viabilidade dos novos projetos.
Intercooperação digital: a inovação na era da transformação tecnológica
As cooperativas estão envolvidas no processo de transformação digital e modernização da economia. Esses processos foram ainda mais acelerados pela pandemia, proporcionando oportunidades de inovação perante os novos hábitos de consumo.
A intercooperação também está envolvida nesse processo de aceleração. Novas tecnologias e plataformas possibilitaram o desenvolvimento da intercooperação digital, como forma de buscar soluções inovadoras e coletivas nos ambientes virtuais.
A intercooperação digital proporciona o desenvolvimento de um ecossistema cooperativista, que fortalece o setor como um todo e possibilita a existência de um ambiente inovador.
Benefícios da intercooperação digital
Diante dos desafios impostos pelas mudanças nas lógicas econômicas catalisadas pela tecnologia, a intercooperação digital emerge como uma alternativa benéfica às cooperativas. Dessa forma, elas conseguem ampliar sua área de atuação e podem, ainda, aprimorar o relacionamento com os cooperados.
Além disso, a intercooperação digital apresenta uma série de fatores positivos para as cooperativas. Alguns deles são:
- Possibilidade de ganhos de escala;
- Uma nova forma de se relacionar e realizar negócios com os cooperados;
- Ampliação na divulgação de produtos e serviços;
- Por se tratar de um sistema colaborativo, há uma redução na concorrência e competitividade entre as cooperativas;
- Os cooperados são beneficiados pela variedade de produtos e/ou serviços.
Intercooperação digital na prática: NegóciosCoop
O Sistema OCB avaliou que a intercooperação digital seria uma ótima aliada para enfrentar as dificuldades impostas pela pandemia. Dessa forma, seria possível integrar a tecnologia para inovar e driblar as barreiras do isolamento social e os impactos econômicos negativos.
Essa é a origem da plataforma NegóciosCoop, que opera como um comércio eletrônico cooperativo. Na prática, o NegóciosCoop atua como uma vitrine em que as coops podem se conhecer e comprar produtos e serviços umas das outras. Márcio Lopes Freitas, presidente do Sistema OCB, enalteceu a iniciativa:
“Estamos criando mecanismos para que a cooperativa não precise buscar o que necessita fora do NegóciosCoop. Uma das novidades, por exemplo, e que pretendemos lançar em breve, é uma forma de pagamento feita de uma coop para outra, diretamente. Assim a coop ganha tempo e a plataforma segue cumprindo seu papel de facilitar e fomentar a intercooperação”, diz.
Intercooperação e os recursos para inovação
Um dos grandes gargalos para a inovação é a escassez de recursos disponíveis para investimento em novas ideias e iniciativas. Muitas cooperativas podem não ter a capacidade financeira adequada para empregar em iniciativas sem um retorno garantido. A inovação, afinal, presume algum risco.
Além dos recursos de capital, a inovação ainda emprega recursos de conhecimento e recursos organizacionais. Desse modo, a busca pela inovação incentiva a diversificação das interações com outras organizações de desafios semelhantes. A saída para essa situação pode estar, justamente, na intercooperação.
Em um estudo produzido para o 6º Encontro Brasileiro de Pesquisadores em Cooperativismo (EBPC), pesquisadores ligados à Universidade de Brasília (UnB) apontam que organizações que se conectam com outras geram conhecimento coletivo. Como consequência, esse conhecimento aumenta a capacidade de inovar.
“Assim, essas relações podem oportunizar a transferências de recursos entre organizações, ou mesmo a execução de ações conjuntas”, escrevem os autores. Dessa forma, argumentam, a intercooperação consegue “possibilitar o acesso a recursos críticos que a estrutura interna hierárquica não poderia obter individualmente”.
Transferência de recursos para inovação
Com foco no ramo agropecuário, o estudo aponta que a realização de parcerias possibilita a transferência de inovações de tecnologia e processos entre as cooperativas. Portanto, diante da necessidade de acesso aos diferentes recursos que promovem a inovação, existe o incentivo para acordos de intercooperação.
Dessa maneira, a intercooperação “possibilita a otimização do cooperativismo por meio do desenvolvimento de redes”. Essas conexões estabelecem vínculos para a união de forças e o compartilhamento de recursos em prol da inovação.
As inovações proporcionadas pela intercooperação são distribuídas pelo ecossistema cooperativo. Consequentemente, todo o setor fica mais moderno e eficiente. O efeito disso é que a produção ganha em valor agregado.
Os autores argumentam, portanto, que a intercooperação por meio da transferência e do compartilhamento de recursos difunde o acesso ao conhecimento necessário para inovar. Isso gera valor para os produtos das coops e fortalece todo o ambiente de inovação em que elas estão inseridas.
Casos de inovação impulsionada pela intercooperação
A relação entre intercooperação e inovação pode ser visualizada na prática. Uma série de iniciativas nascidas da colaboração entre cooperativas já apresenta resultados inspiradores. Veja alguns casos:
CoopMode: união de forças para superar desafios
Um dos exemplos é o CoopMode, projeto que envolve cooperativas agropecuárias que atuam no estado do Paraná.
Criado em 2021, o CoopMode foi fundado pelas cooperativas agroindustriais Frísia, Castrolanda e Capal. Depois, a Agrária também foi convidada a fazer parte da iniciativa. O projeto tem como base um conjunto de três pilares:
- Cultura da inovação: visa sensibilizar - por meio de palestras e capaciptações, dentre outros - colaboradores, cooperados e gestores sobre a importância de inovar.
- Realização de projetos conjuntos: o mais notável busca soluções para otimizar a conectividade nas propriedades produtivas do grupo.
- Conexão com ecossistema de inovação: realizado através de editais de pesquisa, encontros e iniciativas de inovação aberta.
Alessandra Heuer, responsável pela Comunicação e Marketing da Capal, explica que a intercooperação já tem apresentado resultados positivos. Segundo ela:
“Já vemos a cultura da inovação presente no dia a dia da Capal. Estamos pensando de forma mais inovadora, buscando parcerias e ferramentas que vão nos ajudar nos resultados”.
Unium: intercooperação como modelo de negócios
Antes mesmo da criação do CoopMode, Frísia, Capal e Castrolanda já inovaram juntas utilizando a intercooperação.
Criada em 2017, a Unium surgiu como uma forma de as cooperativas atuarem conjuntamente em mercados que antes tinham que disputar entre si. Como atuavam de forma isolada, os recursos disponíveis para investimento em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias era limitado. A intercooperação foi a alternativa para solucionar esse problema.
Ao unir as operações, as cooperativas puderam deixar de ter gastos redundantes. Isso fez com que a disponibilidade de recursos para inovação aumentasse. A iniciativa também resultou em uma significativa redução de custos administrativos.
A criação da Unium representa uma importante inovação em relação ao modelo de negócios, gerando uma marca que nasce com força e competitividade. Contamos a história da Unium no Radar da Inovação, confira.
Outros exemplos de intercooperação no Radar da Inovação
A intercooperação marca presença no nosso Radar da Inovação. Há exemplos de dentro e fora do Brasil, mostrando a força dessa conexão. Veja, então, outras histórias inovadoras envolvendo a intercooperação que contamos no InovaCoop:
- CCGL: fundada em 2018, a Rede Técnica Cooperativa reúne mais de 30 cooperativas e 800 técnicos de especialidades diversas. O objetivo é desenvolver soluções inovadoras que atendam os problemas que as coops têm em comum. Dessa forma a iniciativa otimiza investimentos, agrega recursos e amplifica o impacto das novas soluções.
- Fundação ABC: é um instituto de pesquisa agropecuário privado mantido por mais de 5 mil cooperados de Frísia, Castrolanda e Capal - as mesmas que criaram o CoopMode e a Unium. Ela visa desenvolver e adaptar tecnologias para o agronegócio, apresentando alternativas inovadoras e instruindo os produtores rurais sobre como empregá-las.
- Cooperacción Verde: criada em 2009, é resultado da parceria de 52 cooperativas colombianas de ramos variados. Sua missão é executar projetos de reflorestamento, compensação de pegada de carbono e recuperação de solo. Assim, o projeto combate as mudanças climáticas ao mesmo tempo em que gera receita pela comercialização de créditos de carbono.
Conclusão
Intercooperação e inovação andam lado a lado. Quando unem forças - e recursos - em prol de colocar novas ideias em práticas, as cooperativas solidificam o ecossistema de inovação e fortalecem o modelo de negócios do cooperativismo.
Em meio a mudanças tão velozes proporcionadas pela transformação digital, a intercooperação promove uma rede de apoio aos projetos inovadores.
A inovação não é um processo linear e depende do compartilhamento de experiências, conhecimentos e recursos. Por isso, ela pode ser potencializada pela colaboração entre as cooperativas prevista no princípio da intercooperação.
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