Fique por dentro

Assembleia digital: uma realidade para as cooperativas brasileiras

Tecnologia, seja própria ou terceirizada, traz novas possibilidades e pode ampliar a participação dos cooperados

TENDÊNCIAS16/03/202112 minutos de leitura

A Lei 5.764, de dezembro de 1971, é a lei geral do cooperativismo. E, portanto, é o documento que traz as regras gerais para a realização das Assembleias Gerais presenciais, tornando sua realização obrigatória por parte das cooperativas. No caso das cooperativas de trabalho, a Lei 12.690, de julho de 2012, também traz regras específicas para realização de assembleias. Certamente, também é de conhecimento dos dirigentes de cooperativas a Lei 14.030, de julho de 2020, que trouxe a possibilidade de realizar tais reuniões de maneira remota.

Isso porque, até então, as discussões sobre a realização de assembleias digitais ainda eram muito incipientes. As ressalvas a elas eram diversas. Desde a ausência de autorização expressa para realização de forma remota até a necessidade de aproveitar o momento da assembleia presencial para promover encontros entre as pessoas que fazem parte das cooperativas.

Adaptação urgente

Entretanto, a pandemia e a consequente necessidade de isolamento social exigiram uma rápida mudança, com adaptações operacionais e culturais por parte das cooperativas. Tudo isso é decorrente da Lei 14.030, de julho de 2020, e da Instrução Normativa nº 81, do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), de 10 de junho de 2020, que autorizam e regulamentam, respectivamente, a participação e a votação a distância em reuniões e assembleias de cooperativas.

Dentre as disposições da IN, o inciso V do item 2 do Anexo VI diz:

“A sociedade deve adotar sistema e tecnologia acessíveis para que todos os associados participem e votem a distância na assembleia ou reunião semipresencial ou digital.”

Não apenas isso, mas a tecnologia usada deve proporcionar:

I - a segurança, a confiabilidade e a transparência do conclave;

II - o registro de presença dos associados;

III - a preservação do direito de participação a distância do associado durante todo o conclave;

IV - o exercício do direito de voto a distância por parte do associado, bem como o seu respectivo registro;

V - a possibilidade de visualização de documentos apresentados durante o conclave;

VI - a possibilidade de a mesa receber manifestações escritas dos associados;

VII - a gravação integral do conclave, que ficará arquivada na sede da sociedade; e

VIII - a participação de administradores, pessoas autorizadas a participar do conclave e pessoas cuja participação seja obrigatória.

A cooperativa pode tanto desenvolver sua própria solução tecnológica como também contratar uma das opções disponíveis no mercado. Segundo item do Anexo VI da IN DREI 81, “a sociedade pode contratar terceiros para administrar, em seu nome, o processamento das informações nas reuniões ou assembleias semipresenciais e digitais, mas permanece responsável pelo cumprimento do disposto nesta seção''.

Tecnologia aliada

É nesse ponto que se torna importante o desenvolvimento e a adoção de tecnologias que viabilizam assembleias digitais e adequadas à legislação, a exemplo do Curia, da Coopersystem. Mesmo antes da regulamentação do DREI, a cooperativa de trabalho, que presta serviços especializados de Tecnologia da Informação (TI), já planejava a realização de sua assembleia de forma remota.

Dessa forma, a Coopersystem desenvolveu, no início de 2020, seu próprio aplicativo, o Curia, a fim de usá-lo em sua assembleia marcada para o final de março. Mas veio a pandemia e com ela a oportunidade de acelerar a iniciativa e disponibilizá-la para outras cooperativas brasileiras.

A mudança de rota exigiu uma resposta rápida por parte de todo o time, uma vez que a cooperativa havia se preparado para atender apenas às exigências de acesso da própria Coopersystem. Desde então, a ferramenta vem evoluindo e pode ser utilizada por qualquer cooperativa e/ou entidade do setor.

No aplicativo as cooperativas podem registrar a presença dos cooperados nas assembleias cadastradas, levar itens da pauta para votação (podendo inclusive incluir propostas em tempo real) e criar eleições de conselhos, tudo interagindo diretamente com cada cooperado, que possui acesso único e seguro para exercer seu papel de sócio.

Do lado das cooperativas, a experiência tem sido positiva. Na Cogem, por exemplo, o Curia ajudou a bater recorde de participação de delegados e, sobretudo, trouxe segurança a todo o processo, que era a principal preocupação à época. “Buscávamos um sistema de votação seguro, de fácil entendimento e boa usabilidade, reduzindo qualquer risco no dia. E conseguimos isso com o Curia”, afirma Priscila Oliveira Hernandez, coordenadora de recursos humanos e marketing da Cogem.

Além do case da Cogem e do próprio Curia, no Radar da Inovação você encontra os casos práticos da Unimed Federação Rio e da Expocaccer, que também utilizaram o Curia. Veja mais exemplos a seguir e não deixe de acessar o e-book “Como realizar assembleias digitais”, publicado pela OCB em 2020 e atualizado em 2021.

Da mesma forma, é recomendável conferir o curso sobre Assembleias Semipresenciais e Virtuais, disponível no CapacitaCoop.

A távola redonda da cooperativa LibreCode

Com a demanda de assembleias digitais deflagrada no início de 2020, a LibreCode (antiga Lyseon Tech) também identificou a necessidade de desenvolver um sistema com tal funcionalidade. Nasceu, então, em maio de 2020, a Távola. Guiada pelos princípios de igualdade do cooperativismo, teve seu nome inspirado na história do Rei Arthur e sua Távola Redonda, onde não havia cabeceira de mesa e, portanto, todos eram iguais.

Mesmo tendo sido desenvolvida em tempo recorde para atender à urgência de realização das AGOs, a Távola vem surpreendendo positivamente as lideranças das cooperativas. “Apesar de tudo ter acontecido de forma muito rápida e as pessoas terem tido que se apressar para se adaptar com as assembleias de modo remoto, temos observado um lado positivo nessa mudança: as cooperativas estão espantadas com o aumento do número de participantes em relação às assembleias presenciais”, observa Daiane Alves, co-founder e CFO (Chief Financial Officer) da LibreCode.

A Távola proporciona um ambiente de acesso restrito, tornando a solução segura para as cooperativas. A ferramenta também conta com recursos para disponibilização de documentos e criação de atas colaborativas on-line. “As votações podem ser todas feitas pela própria ferramenta com apuração em tempo real”, pontua Daiane. Além disso, as assembleias são gravadas, com geração de relatórios de acesso para lista de presença, quantidade de votos por itens em pauta, dentre outros recursos.

Código aberto

A cooperativa LibreCode, baseada nos princípios do cooperativismo, desenvolve todos seus sistemas com base em código aberto, conforme explica a CFO:

“Com soluções livres permitimos que pessoas do mundo inteiro possam contribuir com o projeto (adesão livre e voluntária), a gestão dos projetos que fazemos é pública (gestão democrática), o projeto está sempre disponível para receber melhorias vindas de pessoas de todo o mundo (autonomia e independência), por ser um projeto de código aberto ele pode ser utilizado para ensino da forma como foi feita por meio de palestras e treinamentos para profissionais na área de TI (educação), a colaboração para o crescimento do projeto é pública (intercooperação) e projetos com licença livre possibilitam transformação social por permitirem que sejam utilizados, estudados, melhorados e distribuídos por qualquer pessoa (interesse pela comunidade).”

Outra vantagem do código aberto é ser totalmente auditável, proporcionando transparência e, portanto, garantindo mais segurança e privacidade às informações e dados.

Dessa maneira, diversas cooperativas têm usado a Távola para realizar suas AGOs, como é o caso da própria OCB, da Pro-Uni, Friburgo, CESB, Unifop, dentre outras.

Sicoob e a mobilidade

Quando o isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus impediu a realização das AGOs (Assembleias Gerais Ordinárias) presenciais, o Sicoob nacional já estava preparado. Não porque a cooperativa previu a crise sanitária, mas porque desde 2018 a área de tecnologia estava empenhada no desenvolvimento do aplicativo Moob.

Com nome inspirado em mobilidade, o aplicativo nasceu com a proposta de empoderar os 4,6 milhões de cooperados por meio da intensificação da interação, com mais conectividade e engajamento. Isso baseado em quatro frentes, conforme explica o superintendente de tecnologia do Sicoob, Brunno Giordano. São elas:

Assim, o Moob foi lançado em dezembro de 2019 e, em fevereiro de 2020, foi realizado o lançamento da versão com possibilidade de reuniões, com associação ao Zoom, que está incorporado ao aplicativo.

Portanto, em março, quando veio a pandemia, o Moob já estava praticamente pronto e contava com uma equipe de sete pessoas trabalhando no desenvolvimento e evolução do sistema. Hoje, conta Brunno, são cerca de 200 mil usuários com acesso ao Moob e a expectativa é de que cresça ainda mais, pois a curva inicial de aprendizagem de uso vem sendo superada, com cada vez mais cooperativas adaptadas a usar a ferramenta.

“No início havia certa desconfiança, mas agora isso já está mais bem resolvido”, pontua Brunno, que lembra a maior reunião já realizada por meio do Moob, do Sicoob Crediauc, de Concórdia (SC), com 13.500 pessoas acessando simultaneamente a plataforma. Embora o Zoom, ferramenta incorporada por meio da qual as reuniões acontecem, permita o acesso simultâneo de no máximo 10 mil pessoas, o Moob integra com Facebook e YouTube. Dessa maneira, a visualização das palestras e assembleias é feita por meio dessas redes sociais, apenas com a votação ocorrendo pelo aplicativo.

O superintendente acredita que a ferramenta proporcionou uma transformação digital de fato, com cooperados votando pela primeira vez. Nesse contexto, ele cita a maior votação, realizada pela Credicitrus, com 8.500 votantes. Os próximos passos do Moob preveem o desenvolvimento de uma versão web para aumentar ainda mais a acessibilidade, já que, explica Brunno, nem todos os cooperados se adaptam bem à versão mobile.

Por esses motivos, o Moob foi premiado na 16ª edição do prêmio Relatório Bancário de Transformação Digital, promovido pelo Cantarino Brasileiro.

Moob no Sicoob Rio

O Moob já era um recurso usado pelas cooperativas do Sistema Sicoob Rio antes do início da pandemia, conforme lembra Nábia dos Santos Jorge, diretora operacional do Sicoob Central Rio. Quando da imposição do isolamento social, “as lideranças das cooperativas optaram pelo Sicoob Moob por ser um ambiente seguro e eficiente, um recurso criado pelo Sicoob, que estava ao alcance de todos”, pontua. Foi assim que, em 30 de março de 2020, a cooperativa realizou sua AGO por meio do Moob. “Tivemos uma solução rápida para continuar com nossas práticas de governança e garantir a participação ativa dos cooperados nas assembleias”, comemora.

Ainda assim, alguns desafios foram enfrentados para criar uma cultura de assembleias no novo formato. “Hoje é uma prática comum e chegamos a um alto grau de usabilidade, mas foi preciso implementar uma metodologia de reuniões a distância”, conta Nábia. Ajudou, nesse sentido, o fato de o aplicativo ser muito intuitivo, o que facilitou a rápida adesão à ferramenta observada hoje nas assembleias. Tanto é que, conforme diz Nábia, o Moob é usado até mesmo para reuniões de Conselho da cooperativa.

Evolução no uso da ferramenta

Um ano após o início do isolamento, o Sicoob Moob criou uma rede de conexão entre os cooperados do Sistema Sicoob Rio, se tornando um recurso amplamente conhecido nas cooperativas para realização de assembleias. “O maior aprendizado foi perceber que o aplicativo, por conta da facilidade, do maior conforto e da segurança, melhorou a experiência do nosso cooperado no que diz respeito à realização das assembleias”, explica Nábia. Para ela, o sucesso pode ser medido por meio do aumento na participação das pessoas nos eventos online. “Com o uso do Moob tivemos casos de cooperativas que triplicaram o número de participantes em suas AGOs e AGEs (Assembleias Gerais Extraordinárias)”, relata.

Dessa maneira, a expectativa é de que o recurso continue a ser utilizado mesmo quando as reuniões presenciais voltarem a ser viáveis. “Acredito que o Sicoob Moob seja um recurso que veio para ficar. A tendência é que mesmo mais tarde, com a melhoria do cenário da pandemia, e o retorno das assembleias de maneira predominantemente física, possamos abrir para um modelo híbrido”, acredita.

Nábia, no entanto, vislumbra a necessidade de novas adaptações para que o formato misto seja viabilizado. “Acreditamos que será mais uma vez uma questão de adaptação, preparada por uma comunicação assertiva, de orientação dos nossos cooperados, sobretudo, por meio dos canais digitais, mantendo sempre os requisitos de conformidade das assembleias”, aposta.

A experiência do Sistema Ailos

Com 246 postos de atendimento no Sul do País, 14 cooperativas do Sistema Ailos também aderiram às AGOs a distância em 2020. A adesão foi bastante satisfatória. Tanto é que, até março de 2021, cerca de 800 eventos assembleares já haviam sido realizados, com mais de 131 mil participações.

Para viabilizar a transição do presencial para o digital, o Sistema Ailos contou com a tecnologia da Hallo, startup que se dedica a desenvolver soluções digitais para instituições financeiras. Na prática, a cooperativa envia pelo aplicativo o link e o token para acessar o evento. É um sistema bastante simples, que já rendeu comentários positivos por parte dos cooperados e das lideranças das cooperativas.

Dentre as vantagens observadas está a possibilidade de transmitir a assembleia e realizar as votações na mesma plataforma. “Oportuniza que nossos cooperados continuem participando ativamente das decisões das cooperativas de maneira transparente, democrática e, principalmente, com segurança neste momento de pandemia”, afirma o presidente do Sistema Ailos, Moacir Krambeck.

A ferramenta permite customização por parte das cooperativas, possibilitando a seleção de informações e funcionalidades pertinentes à realidade de cada cooperativa. Dentre as possibilidades de customização estão: votação online, resultados em tempo real, transmissão ao vivo, gravação, fórum, vídeos, pré-assembleia e disponibilização de documentos como demonstrativos e relatórios para os cooperados.

Conclusão

Como a vacinação e a cura para a Covid-19 não avançaram o suficiente para permitir a realização de eventos presenciais, as AGOs de 2021 serão, mais uma vez, realizadas de forma digital. Apesar de não ser possível repetir todos os benefícios dos encontros presenciais, as experiências com AGOs a distância têm sido muito positivas para as cooperativas em geral.

Ao eliminar a necessidade de deslocamentos, esse formato de assembleia amplia a possibilidade de participação por parte dos cooperados. Dessa forma, têm sido comuns relatos de lideranças de cooperativas que observaram aumentos significativos na quantidade de participantes e votantes nessas ocasiões.

Se isso já foi verdade em 2020, com desenvolvimento e liberação de ferramentas às pressas para os cooperados, esse ano a tendência é que o processo todo seja beneficiado pela superação da curva inicial de aprendizagem. Além disso, houve tempo também para o desenvolvimento de novas soluções e aprimoramento das funcionalidades já existentes.

Em suma, a expectativa é de que a solução emergencial imposta pela pandemia venha a se tornar parte da realidade diárias das cooperativas mesmo quando do fim do isolamento social, com as adaptações necessárias para usufruir dos benefícios de todas as modalidades.

Conteúdo desenvolvido
em parceria com

Coonecta