Plataformas de negócios: oportunidades para as cooperativas na era digital
O modelo de negócio de plataforma pode ser a chave para as cooperativas surfarem na economia digital
“A maior empresa de hospedagem não é dona de nenhum quarto. A maior empresa de táxi não tem nenhum carro. O mundo mudou.” Essa frase, que viralizou na internet e sempre reaparece com variações pela rede, é uma síntese das profundas mudanças que a economia digital vem promovendo nos negócios. O que ainda não é tão conhecido quanto a frase célebre é o modelo de negócio por trás de tantas mudanças. Estamos falando das plataformas de negócios.
Na nova economia, as plataformas de negócios representam uma ruptura nos negócios que é capaz de mudar não apenas a economia, mas também a cultura e sociedade. Quer exemplos? Google, Apple, Uber, Rappi, Amazon e Airbnb são plataformas.
Todas elas, cada uma do seu jeito, não só revolucionaram os setores onde entraram, mas mudaram hábitos de comunicação, trabalho, transporte, viagem e consumo, as relações de trabalho e a forma de fazer negócios.
Assim sendo, as plataformas de negócios estão para economia digital assim como as fábricas estão para a Revolução Industrial. Elas são o epicentro das profundas transformações nos negócios de empresas de todos os portes e maturidade. Portanto, é fundamental entender esse modelo de negócio e explorar como o cooperativismo pode se posicionar neste contexto.
Plataformas de negócios na nova revolução
É importante lembrarmos que é na Revolução Industrial, momento também marcado por profundas mudanças tecnológicas, com impacto nos negócios e costumes, que o cooperativismo moderno surgiu.
Ariel Guarco, presidente da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em sua palestra de abertura do 14º Congresso Brasileiro do Cooperativismo, resumiu o contexto:
“As primeiras cooperativas foram uma resposta à Revolução Industrial. Hoje, vivemos uma encruzilhada similar: a transformação digital está mudando nosso futuro, nossas vidas. As cooperativas precisam mostrar que há uma nova forma de construir essa economia digital com raízes a serviço das pessoas. Precisamos construir plataformas cooperativas.”
Mas o que há de tão extraordinário nas plataformas e o que as cooperativas têm a ver com isso? Para entendermos essa questão a fundo, precisamos antes mergulhar no modelo de negócio de uma plataforma.
Efeito das redes: o poder das comunidades
Uma plataforma é basicamente uma orquestradora de interações entre produtores e consumidores. Ela cria todas as condições para que essas interações aconteçam de forma rápida, simples e segura, gerando valor para todas as partes. O livro “Plataforma: a revolução da estratégia” resume a situação da seguinte forma:
“Uma plataforma é uma empresa que viabiliza interações que criam valor entre produtores e consumidores externos. A plataforma oferece uma infraestrutura para tais interações e estabelece condições de funcionamento para elas. O propósito primordial da plataforma é consumar o contato entre usuários e facilitar a troca de bens, serviços ou moedas sociais, propiciando assim a criação de valor para todos os participantes.”
A definição acima pode parecer um pouco genérica. Por ela, seria possível dizer que uma feira de rua, por exemplo, é uma plataforma. Afinal, ela cria as condições para interação entre produtores e consumidores, certo? Mas existem outras características das plataformas que uma feira de rua definitivamente não tem. Uma delas é o efeito de rede, algo potencializado pelo fato dyas plataformas serem negócios digitais.
A rede é o maior gerador de valor de uma plataforma. E isso é uma diferença enorme das plataformas para qualquer outro tipo de empresa. Você consegue imaginar uma indústria convencional com apenas 13 funcionários ter valor de mercado de US$ 1 bilhão? Para uma plataforma, isso não só é possível, como já aconteceu de fato. Em 2012, a Meta comprou o Instagram, que tinha somente 13 colaboradores, por esse valor.
Isso só foi possível por conta do efeito de rede, que é o impacto exercido pela comunidade de usuários de uma plataforma sobre o valor criado para cada um deles individualmente. Ou seja, a Meta viu o valor do Instagram em sua rede, e não no tamanho de sua equipe ou da infraestrutura física.
A rede em ação
Para entender melhor esse fenômeno, vamos analisar o efeito de rede de um aplicativo de motoristas. Para o passageiro, participar da rede de um aplicativo com poucos motoristas não seria algo tão atrativo. O tempo de espera será maior e a área de cobertura muito pequena. Já para o motorista, se existem poucos passageiros na rede, o número de corridas será pequeno e o faturamento, consequentemente, menor.
Mas essa situação muda se a rede crescer. O valor gerado para cada usuário irá crescer na medida em que novos participantes se juntarem a ela. Para os passageiros, isso significará menor tempo de espera e melhor área de cobertura. Para os motoristas, por outro lado, gera mais corridas e maior faturamento. Isso é um exemplo típico de um efeito de rede acontecendo.
Já no caso da plataforma em si, o crescimento da rede significa uma maior quantidade de dados dos usuários e de suas interações, o que é fundamental para ela exercer a sua função de orquestradora.
Se as redes são o principal gerador de valor das plataformas de negócios, os dados são o principal insumo para abastecer o efeito de rede. As organizações que conseguem atrair mais pessoas para sua rede têm uma vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes.
Retornemos ao exemplo de um aplicativo de motoristas. São os dados que permitem a rede crescer e as interações promovidas pela plataforma acontecerem. Vamos analisar as informações básicas que um aplicativo de motoristas utiliza para parear uma corrida: nome, localização, forma de pagamento/recebimento, distância, tempo estimado; tudo isso são dados usados de forma estruturada.
O valor do efeito de rede para as plataformas de negócios
O livro “Plataforma: a revolução da estratégia” explica a importância do efeito de rede da seguinte maneira:
“Empresas como Uber, Dropbox, Airbnb e Instagram não têm seu valor atribuído pela estrutura de custos - o capital que emprega, o maquinário que operam ou os recursos humanos que comandam. Todas são valiosas por conta das comunidades que participam de suas plataformas.”
O grifo acima em “comunidades” é nosso e proposital. Pois é nele que está a chave para algo que trataremos mais adiante neste texto: as cooperativas e o efeito de rede. Mas antes vamos dar um passo para trás e nos aprofundar um pouco mais nas características das plataformas.
O que são as plataformas de negócios
Lembra da frase do início deste artigo? “A maior empresa de hospedagem não é dona de nenhum quarto. A maior empresa de táxi não tem nenhum carro. O mundo mudou.” Pois bem, ela remete a outra característica marcante das plataformas de negócios.
Nelas, atividades e recursos que eram internos se tornam externos. Os motoristas de aplicativo não são funcionários do Uber, por exemplo. O estoque da Amazon não é sempre dela, e sim de fornecedores parceiros. Ou seja, a atividade de produção que antes seguia um esquema linear, agora é matricial e produzida pela rede.
“Nos mercados de plataforma, a natureza do fornecimento muda. Capacidades ociosas são descobertas, e a comunidade, que antes costumava apenas demandar, passa a contribuir como fornecedora. Enquanto as empresas tradicionais mais enxutas funcionam com estoque just-in-time, as plataformas de negócios operam com estoque not-even-mine (‘não é nem meu’, em uma tradução livre)”, explica o livro Plataforma: a revolução da estratégia.
Ainda sobre o fornecimento, as plataformas têm uma característica marcante: produtores e consumidores podem facilmente trocar de lado em uma plataforma de negócios. De forma simples e totalmente digital, você pode por exemplo publicar um livro na Amazon, se tornar motorista de aplicativo na Uber, alugar sua propriedade no Airbnb ou vender um produto no Mercado Livre.
Plataformas de negócios e ecossistemas
A gigante do varejo no Brasil, Magalu, também está caminhando para o modelo e lançou, em março de 2020, uma plataforma para autônomos e pequenas empresas venderem dentro de seu ecossistema, com todo o suporte comercial e logístico oferecido pela própria plataforma.
Por meio de uma série de aquisições, a varejista construiu um ecossistema amplo com uma série de serviços conectados em diferentes graus à sua atividade principal. Há desde soluções de logística para acelerar entregas até portais de conteúdo sobre tecnologia e cultura. Veja:
Numa plataforma, portanto, você pode transitar da posição de consumidor para produtor facilmente. E é a capacidade da plataforma em facilitar essas interações que será decisiva para o efeito de rede acontecer, como explica o livro “Seja disruptivo”:
“Como é o público quem fornece as informações de oferta e procura, cabe à empresa criar uma plataforma para conectar as duas. O resultado é um mercado de dois lados em um setor no qual nenhum negócio como este existia antes. Na nova economia colaborativa, vários empreendedores utilizam o mesmo modelo para tudo, desde ferramentas elétricas e cortadores de grama até caronas e aluguel de roupas.”
Por isso, é comum dizer que as plataformas invertem as organizações. A estratégia nas plataformas é outra, afinal. Ela não trata mais do controle de recursos internos exclusivos. Agora, seu papel é orquestrar recursos externos e garantir que o efeito de rede aconteça, criando um ambiente com a infraestrutura necessária para as interações de forma rápida, simples e segura.
O desenvolvimento dos ecossistemas
Para tornar a explicação simples, usamos como exemplo plataformas conhecidas e dissecamos apenas sua interação básica. Mas as plataformas podem se desenvolver em complexos ecossistemas de negócios, onde diversas empresas utilizam a mesma plataforma e fazem ofertas integradas de produtos e serviços.
A Amazon e a Magalu são um exemplo disso: diversos fornecedores parceiros são agregados à plataforma dessas duas gigantes do varejo. Esse modelo de ecossistemas de negócios, que já era uma tendência, se tornou ainda mais forte com a pandemia de Covid-19, indica uma pesquisa divulgada pela consultoria McKinsey.
A consultoria também acredita que essa digitalização beneficia consumidores e está transformando diversos setores da economia. Além disso, agora que as plataformas que ligam vendedores aos consumidores finais já estão maduras, chegou a hora das plataformas B2B tornarem o ecossistema ainda mais dinâmico.
Por outro lado, a consultoria afirma que muitos negócios que tentaram reproduzir o sucesso de gigantes da tecnologia como Google e Amazon em ecossistemas vêm tendo dificuldades. Como os ecossistemas são complexos, definir a abordagem certa para capturar o máximo valor deles é um desafio. Por isso, as organizações devem determinar sua estratégia de ecossistema avaliando as características e tendências do mercado.
Plataformas de negócios e o cooperativismo
Pelas explicações do modelo que conduz as plataformas de negócios, você já deve ter notado que o cooperativismo tem características que podem ser um diferencial dentro desse modelo. Lembra quando falamos que o maior gerador de valor das plataformas é o efeito de rede? Esse efeito é nada mais do que uma comunidade gerando valor para si mesma na medida em que ela cresce. E as cooperativas entendem muito sobre comunidades, já que nascem a partir delas.
Para o efeito de rede acontecer, o indivíduo (produtor ou consumidor) precisa ver valor em participar dela. No caso das cooperativas, o fato de produtores ou consumidores (ou até mesmo ambos) poderem não só participar, mas serem proprietários com direito a voto nessa rede, pode ser um diferencial e tanto.
Muitas cooperativas, em especial as grandes e as confederações, já estão fazendo essa transição. Elas estão se movimentando para se tornarem plataformas digitais facilitadoras e intermediadoras de negócios, tanto entre cooperativas, como entre associados e outras instituições.
Ecossistemas e plataformas cooperativas
O cooperativismo de crédito, que já conta com bastante tecnologia embarcada, faz parte de um movimento de digitalização e descentralização das finanças. O Open Finance, um sistema digital aberto, possibilita a criação de um ecossistema mais dinâmico e vivo para que as cooperativas inovem e criem comunidades em suas plataformas.
O Sicoob Confederação, por exemplo, já fez a abertura de APIs (Interface de Programação de Aplicativos) para parceiros, com a visão de ter uma plataforma de negócios digitais para oferecer seus produtos para cooperativas, empresas de tecnologia, fintechs e até mesmo outros bancos.
Já no ramo Saúde, o Sistema Unimed também trabalha no desenvolvimento de uma plataforma após identificar uma dispersão e fragmentação de informações voltadas à inovação dentro do Sistema, composto por 345 cooperativas. Por isso, lançou o hub Unimed Lab, que opera como uma plataforma capaz de conectar todas as cooperativas do Sistema com o ecossistema de inovação.
Outro exemplo é a criação da plataforma Ciclos pelo Sicoob Central ES, que identificou a necessidade de ofertar novos produtos e serviços aos cooperados, além dos serviços financeiros. Hoje, a Ciclos, que também é uma cooperativa, oferece serviços de telecom, energia limpa e, em breve, também planos de saúde e marketplace.
Por fim, o amadurecimento do cooperativismo de plataforma no Brasil vem acelerando a adesão das cooperativas à economia de plataforma. Além da própria Ciclos, que se enquadra na definição, iniciativas como a LigaCoop, uma federação de cooperativas de mobilidade urbana, indicam o futuro promissor do cooperativismo nas plataformas de negócios.
Conclusão
Como vimos, plataformas de negócios atuam como orquestradoras de interações entre produtores e consumidores. São negócios que em vez de gerir estoques, recursos internos e uma produção linear, estão focadas em organizar e potencializar seu efeito de rede.
E o efeito de rede, nada mais é do que o valor gerado pelo crescimento da comunidade para cada um de seus usuários. Este fenômeno é algo que o cooperativismo conhece de longa data, pois as cooperativas têm forte ligação com as comunidades onde atuam.
Além disso, o efeito de rede permite também um contato constante e próximo com o público, gerando dados que possibilitam à cooperativa continuar sendo relevante para seus públicos. No livro “Gestão do amanhã”, os autores Sandro Magaldi e José Salibi reforçam que:
“As organizações devem desenvolver competências centrais orientadas a atender o que os consumidores precisam, mas nem sequer tinham imaginado. [...] A melhoria incremental é fundamental para evolução da organização, no entanto, ela não assegura longevidade. Ela deve estar aliada a iniciativas concretas orientadas ao futuro. O comportamento do consumidor evolui com rapidez e as plataformas evoluem na mesma velocidade.”
Atentas a essa vocação das cooperativas em se relacionar com comunidades, muitas cooperativas já estão fazendo a transição para um modelo de plataforma e, aos poucos, criando complexos ecossistemas de negócios. As cooperativas têm tudo para se beneficiar cada vez mais dele, gerando maior impacto econômico e social para suas comunidades por meio do efeito de rede conectando mundos físico e digital.
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