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Marco Legal das Startups: avanços para a inovação e o cooperativismo

Proposta visa melhorar as condições para o desenvolvimento de empreendedorismo inovador no país, incluindo startups cooperativas

TENDÊNCIAS18/12/20209 minutos de leitura

No dia 14 de dezembro de 2020, a Câmara dos Deputados aprovou o PLC 146/19, o Marco Legal das Startups. A finalidade do projeto é melhorar o ambiente de negócios para o desenvolvimento de startups e estimular o investimento em inovação no país.

Agora, o texto segue para análise do Senado. O PL tramita em regime de urgência, afinal, é visto como relevante para a retomada econômica do país. A expectativa é que o Senado priorize a discussão desse projeto para o início de 2021 e dê celeridade à sua tramitação.

Ao PLP 146/19 está apensado outro projeto de lei complementar (PLP 249/20) de autoria do Poder Executivo e que trata sobre o mesmo assunto. Conforme a mensagem enviada ao Congresso pelos Ministros Paulo Guedes, da Economia, e Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia e Inovações, “atores dos setores público e privado vão se beneficiar, direta ou indiretamente, dos resultados do projeto, caso o mesmo venha a ser aprovado pelos parlamentares”. Além disso, a proposta não traz impactos para o orçamento ou as finanças do governo.

E o cooperativismo não poderia ficar de fora dessa novidade. Atendendo a um pedido da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), o relator do projeto, deputado Vinicius Poit (SP), inseriu no artigo 4° o setor cooperativista. “Assim, a lei complementar contemplará o empresário individual, a empresa de responsabilidade limitada, as sociedades empresariais, as sociedades simples e as sociedades cooperativas," afirma Poit.

Por que o Marco Legal das Startups é importante

O texto do projeto de lei tem como objetivo delimitar a área de atuação das startups e criar um ambiente jurídico mais seguro para empreendedores e potenciais investidores nesse modelo de negócios. Dessa maneira, o que o governo pretende é aumentar a oferta de capital para investimento em startups, além de disciplinar a licitação e a contratação, por parte da administração pública, de soluções consideradas inovadoras.

“A lei busca aprimorar o sistema de investimentos brasileiro para garantir um ambiente de negócios mais seguro para os empreendedores e beneficiar os trabalhadores com mais empregos, renda e desenvolvimento local, especialmente durante o período de recuperação econômica pós-pandemia”, acredita Milena Cesar, advogada da Assessoria Jurídica da OCB Nacional.

A proposta é vista com bons olhos pelos empreendedores, que vêem na desburocratização de processos um estímulo ao desenvolvimento de ecossistemas de inovação no Brasil. Além disso, se aprovado, o projeto irá autorizar que órgãos e entidades da administração pública possam instituir os chamados “Programas de Ambiente Regulatório Experimentais”. Também conhecidos como “sandbox regulatório”, na prática isso significa a reunião de um conjunto de condições especiais, simplificadas e temporárias, para que as startups participantes possam desenvolver modelos de negócios inovadores, incluindo testes das técnicas e tecnologias propostas.

No meio da inovação, sandbox são condições simplificadas para atuação. Ou seja, que permitem a novas startups testarem seus produtos, serviços e modelos de negócios inovadores no mercado real. Sempre com monitoramento e regulação dos órgãos competentes e obedecendo a determinados limites estabelecidos em edital.

A administração pública estará autorizada, também, a contratar pessoas físicas e jurídicas, de forma isolada ou por meio de consórcio, para testar soluções inovadoras por meio de licitação específica. Estas, após homologação do resultado, poderão firmar o chamado Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI).

Assim, ambas as partes - governo e empreendedores - contam com condições específicas e que proporcionam segurança para o desenvolvimento e contratação de inovação. Mas e com relação aos investidores?

Segurança para os investidores

Um dos grandes destaques do PLP 146/19 está relacionado à segurança jurídica proporcionada aos investidores. Isso porque, de acordo com a proposta, as startups poderão admitir aporte de capital, por pessoa física ou jurídica, sem que o montante venha a integrar o capital social da empresa.

O que isso significa na prática? Que o investidor fica livre de eventuais responsabilidades trabalhistas, pois ele não se torna um sócio da empresa. O risco jurídico do investimento é mitigado significativamente.

A segurança jurídica está relacionada, ainda, à criação e estabelecimento de regulamento para aporte de capital como investidores em startups por parte de fundos de investimento por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Tal regulamentação afirma que:

  • O investidor que realizar aportes de capital não será considerado sócio ou possuirá direito à gerência ou a voto na administração da empresa;
  • O investidor poderá participar nas deliberações em caráter estritamente consultivo, conforme pactuação contratual;
  • Não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, por exemplo.

Requisitos para enquadramento

O que o PL 146/19 considera como startup:

  • ter faturamento bruto anual de até R$ 16 milhões no ano-calendário anterior ou de R$ 1,3 milhão multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a doze meses;
  • com até dez anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
  • e que atendam a um dos seguintes requisitos, no mínimo: declaração, em seu ato constitutivo ou alterador, de utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços; ou enquadramento no regime especial Inova Simples.

Marco Legal das Startups na prática

Em resumo, o PLP 146/19 apresenta três pontos que merecem destaque:

1.    O primeiro deles, a desburocratização, com simplificação de regras para empresas enquadradas como startups, com faturamento e porte limitados.

2.    O segundo ponto de destaque é a segurança que o projeto de lei complementar proporciona aos investidores, criando formatos de aporte de capital com regras que os protegem de eventuais passivos da empresa.

3.    O terceiro ponto tem como objetivo dar mais dinamismo à relação do governo com as startups. Para tanto, cria uma série de condições especiais, simplificadas e temporárias para que tais empresas não apenas desenvolvam soluções, mas possam colocá-las à prova na prática sem colocar em risco a atividade corrente dos órgãos do estado.

Com isso, o que se espera é que todo o ecossistema de inovação brasileiro seja beneficiado. Isso inclui o cooperativismo, já que as startups cooperativas também ganhariam estímulos para serem criadas e desenvolverem seus negócios.

Afinal, a criação e a própria sobrevivência de empresas enquadradas como startups seriam beneficiadas, aumentando sua competitividade no mercado. Isso porque o governo é um dos principais contratantes do mercado.

Trata-se, portanto, de um grande primeiro passo para a consolidação da atuação de startups na economia brasileira. Entretanto, a Abstartups (Associação Brasileira de Startups) acredita que um ponto importante foi deixado de lado na primeira versão do texto.

As obrigações trabalhistas convencionais impostas pela CLT são bastante onerosas para uma startup. Em paralelo, a prática comumente adotada por essas empresas de contratar profissionais por meio de suas figuras jurídicas (pejotização) é passível de fiscalizações e multas.

O que ficou de fora do Marco Legal das Startups?

Para a Abstartups, teria sido importante definir, já nesta versão do projeto, questões relacionadas às relações trabalhistas envolvendo startups.

A associação afirma que questões tributárias e trabalhistas já haviam sido contempladas nas primeiras discussões sobre o Marco. Dentre as opções estudadas estava a possibilidade de sociedades anônimas (SA) usarem o regime tributário do Simples, com compensação dos tributos de ganho de capital para investidores anjo, por exemplo.

O relator do projeto, o deputado Vinicius Poit, acredita que o Marco das Startups tem potencial para gerar empregos, o que poderia ser potencializado pela inclusão do formato de remuneração baseado em “stock options”, que não entrou nessa versão. Ou seja, em participação societária para os colaboradores.

De acordo com ele, essa modalidade de remuneração atua na distribuição do crescimento obtido, beneficiando não apenas o empreendedor, mas o empregado também. A possibilidade é rejeitada pela líder do PSOL na Câmara, a deputada Sâmia Bonfim, para quem o formato fragiliza a relação trabalhista, colocando em xeque a remuneração dos trabalhadores. Afinal, o empregado assumiria o risco de a empresa nunca crescer e, com isso, nunca obteria remuneração adequada.

Além desses, outros pontos merecem atenção. É o caso, por exemplo, da expectativa em torno do Judiciário com relação à responsabilidade de investidores. Quando o PLP 146/19 for sancionado pela Presidência da República, é imprescindível que o Poder Judiciário crie um entendimento de que os investidores de startups não podem ser responsabilizados por eventuais dívidas das mesmas.

O mesmo vale para as Juntas Comerciais, que precisam fazer valer na prática as diretrizes do Marco Legal, sem que criem novos procedimentos que imponham novas burocracias ao processo de abertura de empresas.

Em relação à falta de um regime tributário próprio das startups, a advogada da Assessoria Jurídica da OCB Nacional, Milena Cesar, acredita que “a ideia foi agilizar a tramitação da proposta no Congresso e instituir a política de fomento à inovação sem esbarrar em temas tão sensíveis como a concessão de incentivos fiscais”.

Os impactos para o cooperativismo

Ainda que com algumas ressalvas e pontos de atenção relacionados à aceitação do PLP 146/19 junto à entidades civis, como o Poder Judiciário e as Juntas Comerciais, o Marco Legal das Startups é um avanço bastante significativo para esse tipo de negócio. E também para as startups cooperativas.

Na visão de Mário De Conto, diretor geral da Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo no Rio Grande do Sul (Escoop), a inclusão das cooperativas é importante, pois tais empreendimentos necessitam de formas alternativas de financiamento para sua alavancagem.

“Legalmente, cooperativas enfrentam mais restrições à capitalização que outros tipos societários. Então, um ponto positivo do projeto é a disposição sobre a possibilidade de criação de outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não o tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social da empresa”, explica o diretor da Escoop.

De acordo com ele, esse dispositivo permite conceber instrumentos compatíveis com a natureza jurídica da cooperativa e a discussão a respeito de um ecossistema cooperativo de startups. Tudo a partir da cooperação entre cooperativas constituídas e as instituições financeiras cooperativas.

A advogada Milena Cesar, da OCB Nacional, também comemora a menção expressa às sociedades cooperativas no rol de organizações elegíveis ao enquadramento como startups. “Foi uma relevante conquista rumo à inovação do modelo societário. A presença das cooperativas na política de fomento à inovação está alinhada à tendência inovadora na qual as cooperativas já estão inseridas no Brasil”, completa.

Mas não podemos esquecer que, embora seja um modelo de negócio inovador, o funcionamento das cooperativas startups não poderá deixar de observar os valores e princípios cooperativistas, pilares que sustentam o movimento cooperativista no Brasil e no mundo.

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