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Promoção da diversidade nas cooperativas: estamos avançando?

Aumento da participação de jovens e mulheres estão entre os principais itens da pauta de diversidade

TENDÊNCIAS19/10/20218 minutos de leitura

Em 2003, a Noruega passou a exigir que pelo menos 40% dos conselhos corporativos fossem compostos por mulheres. À época, a representatividade feminina em tais grupos chegava a apenas 9%. A entrada em vigor da obrigatoriedade da cota de representatividade levou a um aumento da produção das empresas com relação à inovação, incluindo a contagem de patentes.

Esse foi um dos exemplos estudados pela pesquisa “Diversidade de Gênero no Conselho e Inovação Corporativa: Evidências Internacionais”, publicado no Journal of Financial and Quantitative Analysis, da Universidade de Cambridge, em 2021. O objetivo da pesquisa era identificar como a diversidade de gênero no conselho das empresas influencia a inovação corporativa. Assim, foram estudadas 12.244 empresas em 45 países entre 2001 e 2014.

De forma geral, o estudo concluiu que empresas com conselhos diversificados têm mais patentes, mais patentes inovadoras e maior eficiência inovadora. Da mesma maneira, tais empresas têm mais tolerância ao fracasso, contam com culturas corporativas mais inovadoras e com inventores mais diversificados.

 

Diversidade de gênero no cooperativismo

O Anuário Brasileiro do Cooperativismo 2021 apresenta um retrato importante para entender a distribuição por gênero das pessoas que fazem parte do cooperativismo.

O recorte “Distribuição por gênero e ramo dos dirigentes” revelou que, em 2020, apenas 17% dos cargos de presidência e vice-presidência nas cooperativas eram ocupados por mulheres. Em alguns ramos, como o de transporte, a participação das mulheres na presidência se limita a apenas 9% e na vice-presidência a 5%.

De maneira geral, aliás, a participação das mulheres ainda é menor do que a de homens no cooperativismo. Dos mais de 17 milhões de cooperados em todo o país, 40% são mulheres. Esse valor representa um aumento de 2 pontos percentuais desde o último Anuário, de 2020, quando 38% dos quadros de cooperados eram formados por mulheres.

“Termos cooperativas mais diversas é extremamente importante. Isso assegura a sustentabilidade do nosso movimento na medida em que ele se preocupa com as pessoas, e garante seu alinhamento com uma agenda que é não só politicamente correta, mas que comprovadamente traz melhores resultados para as organizações que efetivamente acreditam nesses valores”, explica Divani Ferreira de Souza Matos, analista do Sistema OCB.

Estímulo à diversidade

O crescimento da participação não apenas de mulheres, mas também de outros grupos no cooperativismo, como o dos jovens, é o foco de ações do Sistema OCB. É o caso, por exemplo, do Comitê Nacional de Mulheres, um fórum consultivo que tem como missão ajudar na definição de estratégias que sejam capazes de aumentar a presença de mulheres na liderança do movimento cooperativista. O assunto foi tema da reportagem “Para o alto e avante”, publicada na edição 33 da revista Saber Cooperar, que repercutiu os dados do Anuário 2021.

A participação feminina no cooperativismo também foi tema de pauta na edição 35 da revista, na reportagem “Elas estão no poder”. Na ocasião foram contadas as histórias de cinco mulheres contemporâneas que têm sido pioneiras no cooperativismo em suas regiões.

Já para aumentar a participação dos jovens no cooperativismo, a OCB criou, ainda, um Comitê de Jovens, que tem como finalidade “assessorar o Sistema OCB em atividades de representação institucional, bem como de promoção social, perante as cooperativas, a sociedade civil, os Três Poderes e os organismos internacionais”.

Todas essas iniciativas mostram que os movimentos em prol da diversidade têm acontecido gradualmente. Uma das evidências dessa conquista feminina no âmbito do cooperativismo vem da própria OCB. Tânia Zanella, que era Gerente Geral da OCB, tornou- se superintendente do Sistema OCB. Segundo ela, estar num cargo que nunca foi ocupado antes por uma mulher a encoraja a seguir trabalhando para confirmar tudo que várias pesquisas já mostram, que as mulheres são muito capazes, têm um alto potencial para inovar e para entregar resultados positivos nos negócios. "Sigo com meus planos de fazer muito pelo cooperativismo. E, além disso, é uma grande oportunidade que tenho de gerar mais oportunidades para outras mulheres no coop.”

É sempre importante lembrar que o aumento da diversidade no cooperativismo não depende somente da contratação de pessoas com perfis diversos. É preciso, sobretudo, investir em treinamento e conscientização. E há ferramentas que auxiliam ao longo desse processo. Dentre elas estão:

  • Criação de comitê ou conselho de diversidade
  • Realização de treinamentos
  • Estabelecimento de diálogos e parcerias com entidades voltadas ao desenvolvimento da diversidade em organizações
  • Acompanhamento de indicadores de diversidade

Mais informações sobre como tomar medidas práticas para promover a diversidade no cooperativismo estão disponíveis no post "Como promover diversidade nas cooperativas".

Diversidade de raça em pauta

Nada melhor do que exemplos bem-sucedidos de outras organizações para estimular a promoção da diversidade em nossas cooperativas, não é mesmo?

Por esse motivo é interessante dar uma olhada com atenção para as iniciativas de Bayer e Magalu, que, em fins de 2020, promoveram edições de seus programas de trainee voltados exclusivamente para pessoas negras. As iniciativas tinham como finalidade mudar a realidade constatada por pesquisa da consultoria 99jobs que, após analisar 300 programas de trainee em 2019, revelou um percentual de 99,2% de brancos dentre as pessoas contratadas.

No caso da Magalu, a intenção era anterior à pesquisa, conforme revela Patrícia Pugas, diretora-executiva de gestão de pessoas no Magazine Luiza. Ela explica que há cinco anos a empresa tentava aumentar o percentual de pessoas negras sem obter sucesso com nenhuma tentativa. Dentre elas, seleção às cegas, não exigibilidade de faculdade ou inglês, dentre outras.

Foi aí que a Magalu tentou uma ação mais radical: abrir um programa de trainees com vagas exclusivas para pessoas negras e pardas. Como resultado, mais de 22 mil inscrições, com 19 aprovados.

O mesmo número de aprovados foi registrado pela Bayer, que adotou iniciativa semelhante à da Magalu. O resultado foi tido como muito positivo pelo vice-presidente de Finanças da Bayer Crop Science, Maurício Rodrigues. Afinal, dentre as 19 pessoas contratadas, 16 são mulheres, que se destacaram com relação ao desempenho e acabaram por tornar o programa ainda mais inclusivo.

A Bayer, não por acaso, se prepara para ter em sua presidência, pela primeira vez, uma mulher. Malu Nachreiner, agrônoma formada na Esalq, se tornará a nova presidente da companhia no Brasil a partir de novembro próximo.

Para a Magalu, o sucesso da iniciativa foi tanto que a empresa está, atualmente, promovendo mais uma edição do programa de trainees voltado exclusivamente para pessoas negras. O foco da Magalu é chegar a um total de 56,1% de pessoas pretas e pardas em seu quadro de lideranças. Ou seja, representando a composição da população brasileira.

 

Diversidade e inovação

Além dos exemplos citados, vale destacar que o mercado está repleto de exemplos de lideranças femininas à frente da inovação de grandes empresas. De acordo com mapeamento feito pela 100 Open Startups, 40% dos programas de inovação aberta no Brasil são liderados por mulheres.

Dentro do cooperativismo, há alguns bons exemplos de mulheres à frente de programas de inovação ou mesmo de iniciativas ainda mais complexas. Dentre elas, podemos destacar a Lourdes Moreno, gerente de inovação e novos negócios da Coop - Cooperativa de Consumo, e a Camila Luconi, especialista de inovação da Sicredi, responsável pela implementação da cultura ágil na instituição.

Outro exemplo é o da Taynaah Reis, fundadora e CEO da Moeda Seeds. A empresa em si não é uma cooperativa, mas tem forte relação com elas. Afinal, a Moeda é um ecossistema voltado à inclusão financeira e à igualdade de gênero no cooperativismo.

De forma geral, a diversidade está diretamente relacionada à inovação e essa relação vem ganhando cada vez mais força e incentivo no mundo todo. No Brasil, iniciativas como da Pretalab vêm incentivando a diversidade de gênero e raça na tecnologia.

Nos Estados Unidos, o índice Nasdaq da bolsa de valores passará a exigir que as empresas listadas tenham pelo menos uma mulher no conselho ou alguém que se identifique como membro de uma minoria sub-representada, como a LGBTQIA+. Caso não tenha, terão que explicar por que não o fazem.

De acordo com estudo da própria Nasdaq, mais de 75% de suas empresas listadas não atingiam - até dezembro de 2020 - as metas propostas pelo índice naquele momento. Agora, deixa de ser opcional e passa a ter efeito vinculativo: as empresas deverão divulgar estatísticas de diversidade sobre seus conselhos e responder quando não atingirem a meta.

 

Conclusão

A diretora de pessoas da Magalu, Patrícia Pugas, conta que uma das frases que mais marcou sua experiência à frente da iniciativa do programa de trainee voltado exclusivamente para pessoas negras foi a de uma candidata que afirmou ter, a partir da iniciativa da Magalu, um “perfil de trainee”. Ou seja, uma pessoa que se viu representada e que, por isso, passou a entender que pode vir a fazer parte daquele ambiente.

Esta é uma posição bastante alinhada à fala do Tiago Mattos na palestra de encerramento da Semana InovaCoop, especialmente quando ele fala da importância de a pessoa ter confiança para ser ela mesma. Ou seja, de contar com um ambiente de confiança psicológica que permite promover e colher o melhor da diversidade. Afinal, os olhares e repertórios são ricos e únicos.

Esta talvez seja a principal lição do debate sobre diversidade em cooperativas. Afinal, mais importante do que cumprir com cotas que pouco significam é promover a construção de ambientes organizacionais capazes de acolher e dar voz à diversidade, que são essenciais para qualquer iniciativa de inovação.

Afinal, os resultados decorrentes da diversidade vêm da criação de um caldo cultural diverso e, portanto, capaz de dar voz aos mais diferentes aspectos da sociedade. E vale sempre lembrar que a inovação pode não acontecer se não tivermos esses olhares diversos.

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