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Cooperativismo de plataforma: um mundo de oportunidades

Para mergulhar ainda mais neste assunto, entrevistamos um dos maiores especialistas brasileiros. Confira!

COOPERATIVISMO DE PLATAFORMA16/12/20208 minutos de leitura

Quando o assunto é manter as cooperativas bem-informadas a gente não mede esforços. Por isso, ouvimos um dos maiores especialistas brasileiros em cooperativismo de plataforma – tema que cada vez mais faz parte do rol das estratégias de muitos negócios dentro e fora do Brasil. O assunto tem ganhado muito destaque, mas ainda temos poucos exemplos no Brasil. Por isso, entrevistamos Mário De Conto, diretor geral da Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo no Rio Grande do Sul (ESCOOP), uma referência neste tema.

Para ele, que é doutor em Direito e também coordena o projeto de pesquisa Cooperativas de Plataforma e Ambiente Jurídico, aprovado na Chamada Pública CNPQ-SESCOOP 07/2018, a pandemia evidenciou o potencial de serviços como delivery, transporte de passageiros nas cidades e locação de espaços para férias, por exemplo. E isso só mostra que a economia de plataforma condensa excelentes oportunidades para as cooperativas. Confira o que ele diz.

Porque o tema ‘cooperativismo de plataforma’ recebeu tanto destaque neste ano?

Temas como “Capitalismo de Plataforma” e “Economia de Plataforma” vêm sendo apresentados à sociedade já há algum tempo, como um novo modelo de negócio surgido pós crise financeira de 2008. Muitas vezes comunicados como “Economia Compartilhada” ou “Economia Colaborativa”.

Em 2020, notadamente no contexto da pandemia, esse modelo de negócios foi evidenciado por diversos fatores: o desenvolvimento exponencial do comércio online; a necessidade dos empreendedores na utilização de plataformas digitais para manter seus negócios e a utilização em larga escala de aplicativos de entregas, estão entre eles. Essa evidenciação do modelo de negócios apresenta duas narrativas: a narrativa tradicional, da economia de plataforma como modelo que permite a intermediação e a geração de renda e uma contranarrativa, que enfatiza os problemas da precarização do trabalho e da ausência de participação e controle por parte dos trabalhadores.

Podemos falar que este cenário apresenta oportunidades para as cooperativas?

Sem dúvida. Geralmente quando se pensa em economia de plataforma a tendência é se pensar em Uber e Airbnb, que talvez sejam os modelos mais conhecidos mundialmente. A questão é que a economia de plataforma é muito mais ampla e se trata, na verdade, muito mais do que um aplicativo, em um novo modelo de negócio. Os autores Parker, Marshall and Sangeet denominam pipeline o tradicional sistema empregado pela maioria das empresas, que se caracteriza por uma cadeia de valor linear: um negócio que emprega um passo a passo para criar e transferir valor, com produtores de um lado e consumidores do outro.

Nesse modelo, uma empresa primeiro projeta um produto ou serviço, a partir disso o produto é fabricado e colocado à venda ou um sistema é implementado para fornecer o serviço e, finalmente, um cliente adquire o produto ou serviço. Essa lógica linear é profundamente alterada no modelo de plataforma: nesse modelo, diferentes tipos de usuários - alguns deles produtores, alguns deles consumidores e alguns deles, pessoas que podem desempenhar ambas as funções em vários momentos – interagem uns com os outros usando os recursos fornecidos pela plataforma.

As cooperativas certamente podem utilizar-se desse modelo de negócio com um aspecto muito importante: Na cooperativa, a propriedade e a gestão da plataforma são de seus próprios associados. E essa é a grande diferença que o cooperativismo pode fazer na economia de plataforma.

Como fica a viabilidade de coops de plataforma aqui no Brasil, diante da falta de uma legislação específica? Isso seria impeditivo para o surgimento delas?

No Projeto de Pesquisa que desenvolvemos na ESCOOP, aprovado na chamada pública CNPQ-SESCOOP, nosso objetivo é analisar os fatores impulsionadores e restritivos ao desenvolvimento do cooperativismo de plataforma no ordenamento jurídico brasileiro, propondo medidas para seu desenvolvimento.

Para isso, buscamos identificar experiências de cooperativas de plataforma no mundo, verificando sua legislação, buscando propor alternativas de compatibilização, quando pertinentes, entre os instrumentos jurídicos utilizados pelas cooperativas tradicionais e realidade das cooperativas de plataforma. Não há uma legislação específica para cooperativas de plataforma: elas são sociedades cooperativas, adequadas à legislação local, que atuam através de plataformas digitais. Dessa forma, o que percebemos, é que não se faz necessária a criação de uma lei específica para cooperativas de plataforma, mas sim, atenção a alguns pontos da Lei Geral de Cooperativas a ponto de afastar fatores restritivos.

Além dessa questão jurídica, quais os outros possíveis obstáculos para que as cooperativas de plataforma se tornem uma realidade mais comum no Brasil?

A partir as experiências analisadas, apontamos quatro aspectos a serem considerados:

1) CooperativasMultistakeholder: Quando em uma plataforma como uma estrutura que permite a interação por diversas partes. Em algumas cooperativas que analisamos – cito, em especial aqui a Cooperativa Fairbnb (uma alternativa cooperativa ao Airbnb), há diversas classes de sócios – desde pessoas interessadas em alugar imóveis por temporada, até comerciantes locais interessados no comércio justo. Essa diversidade de classes de associados é um aspecto muito relevante para pensar-se os modelos de governança dessas cooperativas.

2) Governança Digital: A utilização de tecnologias desde a associação à cooperativa, a participação reuniões e assembleias digitais é algo presente nas cooperativas de plataforma.

3) Financiamento: As plataformas contam com aportes iniciais de capital para que possam se desenvolver. Pensando em cooperativas de plataforma, a legislação de alguns países permite a participação de sócios investidores. No Brasil, nossa lei não permite essa operação. A intercooperação poderia ser uma alternativa, nesse tópico.

4) Escala: O valor de uma plataforma está intrinsecamente ligado ao número de usuários e sua interação. É o que se denomina de “efeito de rede”. No caso das cooperativas, políticas de intercooperação podem auxiliar a superar esse desafio.

Por conta da pandemia, a OCB apoiou a aprovação de lei que autorizou a realização de assembleias gerais digitais. Você avalia que esse fato possa acelerar a criação de cooptechs?

O tema da Governança Digital é fundamental no desenvolvimento do cooperativismo de plataforma. Além da questão legal – que foi um grande avanço no ano de 2020, com a alteração da Lei 5.764/71,a partir de iniciativa do Sistema OCB – houve um considerável avanço no que tange à cultura digital. Discutia-se muito no cooperativismo a adoção de instrumentos digitais para a realização das Assembleias e o seu impacto na participação dos associados e na governança. Com a pandemia, esse processo foi acelerado e naturalizado.

Como estudioso do assunto, entre as cooperativas de plataforma, quais você destacaria? Quais valem a pena serem conhecidos e podem trazer aprendizados para as cooperativas brasileiras?

No projeto classificamos as cooperativas que identificamos em dois grupos: as cooperativas baseadas na Internet e as cooperativas baseadas localmente.Vou citar dois exemplos de cooperativas cujos cases estão descritos no Radar da Inovação, do InovaCoop.

Uma cooperativa baseada na Internet – e possivelmente a mais conhecida de todas – é a Stocksy, uma cooperativa canadense de fotógrafos. A cooperativa tem associados em mais de 60 países. Nesse caso, um dos aspectos mais relevantes, é que a questão geográfica – que é uma das bases em que todas as legislações cooperativistas foram fundadas – perde o protagonismo. Esse é um dos aspectos mais interessantes quando pensamos em cooperativas de plataforma baseadas na internet.

Já no modelo de cooperativas baseadas localmente, posso citar o caso da cooperativa Up&Go, sediada em Nova Iorque. Nesse caso, são três cooperativas de trabalho singulares que são proprietárias da Up&Go, que é sua plataforma de intermediação. Na verdade, observando-se as cooperativas em si, são muito semelhantes às cooperativas de trabalho tradicionais: realizam suas assembleias de forma presencial e possuem uma relação muito próxima aos seus associados. A diferença está na intercooperação entre essas cooperativas e no estabelecimento de uma plataforma conjunta para a prestação de serviços.

Por fim, gostaríamos de dar um spoiler do curso de cooperativismo de plataforma, que faremos em parceria com a Escoop, previsto para o início de 2021. Poderia falar um pouquinho sobre ele?

O curso tem como objetivo apresentar as transformações do capitalismo, a economia de plataforma e seus efeitos, bem como explorar a estratégia de plataformização e sua possibilidade de incorporação pelas cooperativas. Além disso, vai apresentar o cooperativismo de plataforma, bem como seus fatos restritivos e impulsionadores no Direito Brasileiro e casos de cooperativas de plataforma, seus desafios e oportunidades. Será dividido em três módulos: Capitalismo de Plataforma; Cooperativismo de Plataforma e Casos de Cooperativismo de Plataforma. Os três módulos serão desenvolvidos na modalidade autoinstrucional, com cartilhas, vídeos, testes de conhecimento e materiais complementares para leitura. Também teremos um módulo extra, opcional, denominado “Geração de Modelos de Negócio”. Será oferecido pela ESCOOP de forma síncrona, e vai abordar as possibilidades de elaboração de modelo de negócios com a utilização de ferramenta customizada para proposição de cooperativas de plataforma.

E-book InovaCoop

Viu só?! Com tanta informação de qualidade nessa entrevista, a gente se sente até mais seguro para entrar de cabeça nesse mundo digital, não é mesmo? E se você ainda tem dúvidas sobre este assunto, vale mergulhar no e-book Cooperativismo de plataforma: desafios e oportunidades, disponível aqui.

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