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Cooperativas de plataforma: desafios e cases de sucesso

Conheça exemplos de iniciativas nos ramos de saúde, transporte, trabalho, consumo e outros.

COOPERATIVISMO DE PLATAFORMA25/01/202415 minutos de leitura

O cooperativismo de plataforma ainda enfrenta seus desafios, mas, mesmo assim, tem se mostrado viável nos mais diversos ramos, desde transporte até saúde, passando, inclusive, por produções artísticas. Para mostrar esse cenários na prática, vamos listar a seguir exemplos de cooperativas de plataforma pelo mundo.

Antes, porém, vamos falar brevemente sobre o que é o modelo de plataforma e como ele se associa ao cooperativismo. Para um entendimento mais amplo sobre o tema, recomendamos a leitura do post "O que é cooperativismo de plataforma", que apresenta a conceituação sobre o assunto.

O que são cooperativas de plataforma?

Para entender o que é uma plataforma cooperativa é preciso, antes, entender o que é uma plataforma. Negócios baseados em plataforma têm como premissa facilitar o contato entre seus usuários e promover trocas de bens, serviços e produtos. Isso significa que atuam na organização das relações envolvendo pessoas e empresas.

Um exemplo bastante conhecido é o da Rappi. A companhia multinacional oferece a base tecnológica para que pessoas que tenham carro, moto ou bicicleta entreguem itens para outras que compram algo que esteja à venda na plataforma.

Note que o exemplo cita pessoas em geral, e não necessariamente entregadores profissionais. E aí é que está um dos segredos da plataforma: atuar somente como intermediária de relações e contar com um gigantesco potencial de escalabilidade e, consequentemente, de ganhos.

Devido à estrutura de propriedade baseada em rodadas de investimento, as plataformas mercantilistas acabam por gerar problemas nas relações socioeconômicas. Como resultado, os prestadores de serviço - entregadores, no caso da Rappi - acabam sofrendo com escalas de trabalho longas, falta de direitos trabalhistas e baixa remuneração.

Portanto, as plataformas cooperativas surgem como alternativa para esse cenário, pois preveem que a propriedade do negócio seja dos próprios cooperados, os prestadores de serviço ou ofertantes de produtos. Com isso, a gestão é democrática e a distribuição dos resultados fica entre os cooperados.

Essas características fazem com que o cooperativismo de plataforma se apresente como uma solução bastante atraente. No entanto, as plataformas cooperativas enfrentam alguns obstáculos para sua atuação e crescimento no mercado.

Desafios para a criação de cooperativas de plataforma

As cooperativas de plataformas enfrentam cinco desafios principais, começando com a falta de compreensão da população sobre o que é e como funcionam as cooperativas. Já as que entendem um pouco mais, nem sempre dominam a parte estratégica necessária para atuar no digital.

Além disso, poucas pessoas sabem da existência de plataformas cooperativas. Isso acontece porque o modelo tradicional de plataforma é mais simples e sua difusão na mídia é maior.

O quesito econômico também é um problema para o desenvolvimento das cooperativas. Mesmo precisando de investimentos para o crescimento acontecer, o acesso ao capital é mais complicado.

Dificuldade de entender o cooperativismo

Possivelmente, o principal desafio para a criação de mais cooperativas de plataforma é a dificuldade que as pessoas têm de entender o cooperativismo. Este problema foi apontado por Greg Brodsky, fundador da aceleradora Start.Coop.

Para ele, embora 78% das pessoas afirmem ter intenção de comprar de cooperativas, apenas 11% sabem explicar o que é o modelo cooperativista.

Como consequência, apesar da aceitação crescente acerca do modelo ao redor do mundo, há relutância por parte das próprias plataformas em adotar o termo “coop” como sufixo ou prefixo.

Disseminação do cooperativismo de plataforma

Além da compreensão do cooperativismo, Rafael Zanatta - que traduziu para o português o livro “Cooperativismo de Plataforma”, de Trebor Scholz - destaca a necessidade de tornar a possibilidade do cooperativismo de plataforma mais visível. Essa urgência pode ser atendida por meio da circulação mais intensa de ideias e projetos de democratização da economia na Internet.

Segundo Zanatta, há esforços isolados de divulgar tecnologias de blockchain e o projeto de cooperativismo de plataforma. Entretanto, para isso acontecer, são necessárias mais iniciativas nessa agenda.

Modelo mercantilista de plataforma é mais simples

Em contrapartida, o modelo tradicional de plataforma é muito mais simples e compartilhado na mídia. Não é à toa que usamos um exemplo mercantilista para explicar o que são plataformas.

O problema é que não são apenas os públicos consumidor e empreendedor que têm dificuldade de entender o modelo. E isso nos leva ao próximo desafio: a falta de investimento.

Acesso dificultado ao capital

O modelo de plataforma demanda investimentos relevantes em infraestrutura tecnológica e marketing. E o desafio, na verdade, está na forma de conseguir tal capital, porque a legislação brasileira não permite sócios-investidores, conforme explica Mário De Conto, superintendente do Sescoop/PR e pesquisador desse tema no Brasil:

“Não são permitidos sócio-investidores que só participam do negócio como investidores, buscando um retorno financeiro. A legislação não permite ter um sócio meramente investidor, mas permite, por exemplo, a criação de uma empresa subsidiária, da qual a cooperativa pode ser sócia”.

De Conto observa que em outros países é comum cooperativas de plataforma que têm uma parcela da propriedade destinada aos investidores.

“Muitas das cooperativas de plataforma internacionais que nós pesquisamos são cooperativas multi-stakeholders, ou seja, que permitem diversos grupos e associados. É uma situação um pouco rara no Brasil, que gera o desafio de pensar numa cooperativa com essa configuração”, explica.

Se já não bastassem todos esses obstáculos, o meio cooperativista também precisa abraçar as estratégias do universo digital.

Importância de fortalecer a visão estratégica digital

O meio cooperativista precisa desenvolver e disseminar uma visão cada vez mais estratégica no universo digital. Ou seja, capaz de colocar os princípios do cooperativismo para concorrer igualmente com as iniciativas mercantilistas num mundo cada vez mais online.

Para se manterem competitivas no mercado digital, é importante que as cooperativas se posicionem em busca do chamado “efeito de rede” positivo para o sucesso do negócio. Os efeitos de rede traduzem o impacto dos usuários em uma plataforma, sua geração de valor e criação de um círculo virtuoso.

Nesse contexto, a estratégia de lançamento da Stocksy é um bom exemplo. Esta cooperativa de plataforma se lançou no mercado baseada na estratégia de atrair bons cooperados, uma sólida base de clientes e com foco em seu potencial de crescimento.

Para entender um pouco mais deste assunto, recomendamos o livro “Plataforma: a revolução da estratégia”, dos autores Geoffrey Parker, Marshall Van Alstyne e Sangeet Paul Choudary.

Exemplo de cooperativas de plataforma no mundo

Existem várias iniciativas que conseguiram superar os desafios e atuam com sucesso pelo mundo. Aqui no InovaCoop, você encontra os cases detalhados das plataformas: Fairbnb, Savvy Cooperative, Stocksy United, Up&Go, Coopcycle, Drivers Seat e Ciclos.

Vamos conhecer outros exemplos?

Resonate: cooperativa de streaming de música

A Resonate se autodefine como uma comunidade ética de streaming de música. Na prática, é uma plataforma coletiva na qual os donos são os usuários – sejam eles os músicos, ou os próprios ouvintes cadastrados. Além disso, a remuneração dos artistas é superior à praticada pelas tecnologias tradicionais.

A intenção da cooperativa irlandesa, que foi criada em 2015, é reconectar a economia da música com base num modelo de negócios justo, transparente e cooperativo. Assim, para os ouvintes, a Resonate tem como proposta a contribuição - e propriedade - de algo que tenha valor real na economia digital.

Para os artistas, a organização quer se tornar sinônimo de propriedade sobre o próprio trabalho e das redes sociais criadas em torno de sua produção musical. A Resonate quer promover justiça para os músicos e conceder-lhes controle sobre a distribuição e as receitas geradas.

O modelo da cooperativa é o chamado multi-stakeholder, ou seja, composto por múltiplas partes interessadas e com funções diferentes: músicos, fãs e as pessoas que a constroem. A distribuição dos resultados se dá da seguinte forma:

• Músicos: 45%

• Ouvintes: 35%

• Funcionários: 20%

Além disso, a Resonate recebe uma comissão de 30% de toda a receita, o que significa que 70% vai direto para os artistas e titulares de direitos autorais. A cooperativa usa o dinheiro para aplicar melhorias à plataforma, ou distribui aos membros - inclusive os artistas.

E as vantagens não param por aí! Os ouvintes também possuem diversas vantagens ao usarem o serviço de streaming de música cooperativo. Diferente de outras plataformas, o Resonate cobra um valor baixo, cerca de ¼ de centavo, para cada música escutada. Caso você queira repetir a faixa, uma cobrança maior vai acontecer.

Mas não se preocupe! Depois de gastar 1,40 dólar escutando uma música, você a possuirá, não precisando mais pagar para escutá-la. O ouvinte também pode garantir sua adesão como membro na plataforma após uma doação de 10 dólares.

Fairmondo: marketplace cooperativo

Criada na Alemanha em 2012, a Fairmondo é um marketplace global e descentralizado. Sua principal característica é ser de propriedade dos próprios usuários.

A proposta da cooperativa é ser um mercado online em que os usuários possam descobrir itens interessantes com facilidade, e adquirir artigos justos e sustentáveis. Os interessados em participar da Fairmondo podem se associar com valores a partir de 10 euros. Caso não tenha interesse em se tornar um cooperado, você pode contribuir com valores mais baixos, como 3 ou 5 euros, para ajudar no desenvolvimento da cooperativa.

Esta é uma estratégia da plataforma cooperativa para evitar grandes investidores e manter o modelo acessível à população. A organização considera prioritária a participação online dos associados e visa manter total transparência nas atividades da empresa.

De fato, não há grandes investidores por trás da Fairmondo, mas sim mais de 2 mil indivíduos e comerciantes que constroem e participam da cooperativa atualmente. Saiba mais sobre esta plataforma cooperativa europeia por meio de suas redes sociais: Facebook, Instagram e X (antigo Twitter).

Midata: cooperativa de dados de saúde

A Midata é uma plataforma cooperativa criada em 2015, cuja missão é mostrar como os dados podem ser usados para o bem comum. Baseando-se na premissa da governança de dados, a organização tem a proposta de garantir, também, o controle dos cidadãos sobre seus dados pessoais.

Dessa maneira, o modelo da Midata é projetado para que a aplicação internacional seja possível. Na prática, a organização fundada na Suíça fornece apoio à fundação de cooperativas de plataforma Midata em outros mercados por meio de subsidiárias regionais ou nacionais. Todas, nesse contexto, podem compartilhar a infraestrutura da plataforma de dados.

Além disso, os cooperados se tornam proprietários de uma conta de dados na cooperativa e podem se tornar contribuintes ativos para pesquisas médicas e estudos clínicos. Para essa finalidade, eles podem conceder acesso seletivo aos seus dados pessoais, como mostra o esquema a seguir:

A iniciativa mais recente da Midata é desenvolver o Plano de Medição de Reabilitação. O projeto piloto conta com a parceria da BFH Medical Informatics e da Brightfish para fortalecer a perspectiva do paciente e o resultado da qualidade de vida quando relacionado com a saúde.

A ideia é medir os resultados do plano com os relatos de pacientes. Assim, o serviço pode ser feito com muito mais qualidade e garantia.

Smart Coop: iniciativa de serviços gerais compartilhados

A Smart nasceu na Bélgica em 1998 como uma associação sem fins lucrativos. A transformação de associação para cooperativa de plataforma ocorreu em 2016, com a criação da Smart Coop, sociedade cooperativa de responsabilidade limitada com finalidade social.

Hoje, a Smart é uma cooperativa com mais de 37 mil membros, que são trabalhadores autônomos de vários setores. A organização está presente em cerca de 40 cidades de 8 países da Europa, inclusive com escritórios disponíveis aos seus membros.

A Smart Coop oferece uma estrutura compartilhada de serviços para seus cooperados como declarações sociais e fiscais decorrentes das atividades, cálculo e pagamento das contribuições para a segurança social e pagamento de vários impostos. Além disso, oferece uma gama de serviços compartilhados extras, como:

• Assessoria;

• Formação;

• Ferramentas (administrativas, jurídicas, fiscais e financeiras) de apoio ao desenvolvimento da atividade profissional dos trabalhadores independentes.

A cooperativa também incentiva os associados a se juntarem para desenvolver projetos com outros membros da organização. O projeto intitulado SmartLabs são laboratórios de coprodução, onde experiências sobre diversos ramos são compartilhadas.

O estatuto de empresário-empregado na Smart Coop permite conciliar proteção social com uma verdadeira dinâmica empresarial. A Smart coloca o trabalhador, portador de valor econômico e social, no centro de sua missão para que ele adquira direitos sociais e desenvolva ao máximo sua atividade profissional.

FairCab: cooperativa de transporte com tarifas e ganhos justos

A intenção da FairCab é ser uma cooperativa de plataforma de transporte urbano compartilhado de propriedade dos próprios motoristas. Mais do que isso, a FairCab oferece o melhor preço para viagens desde 2016.

Aliás, um dos lemas desta plataforma cooperativa, que faz parte da New Economics Foundation, é: “We can do better than Uber” ou “Nós podemos fazer melhor que o Uber”. E, dentre os princípios da FairCab estão:

1)  Promover justiça e transparência;

2)  Ser pessoal e confiável;

3)  Dar valor adequado para o dinheiro.

A ideia por trás da iniciativa é que a experiência de pegar um táxi seja simples, segura e com preço justo para todas as partes. Para manter o foco nos seus princípios, a FairCab atua apenas com transporte de idade e volta para o aeroporto, e para estações de trem.

Assim, os passageiros podem agendar suas corridas on-line, com, no máximo, 24 horas de antecedência. De acordo com a cooperativa, quanto antes a reserva for feita, melhores os preços.

Além disso, os clientes podem escolher qual tipo de carro necessitam, considerando a quantidade de passageiros e de malas. O canal de comunicação entre os motoristas e o passageiro é aberto, resultando em um serviço mais atencioso e cuidadoso.

A cooperativa atua nos aeroportos da área Benelux, que compreende a Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, além de aeroportos alemães próximos à fronteira holandesa, como Dusseldorf, Colônia, Weeze e até mesmo para Frankfurt e Dortmund.

Means TV: streaming de vídeo cooperado

O primeiro serviço de streaming pós-capitalista do mundo operado de forma cooperativa. É desta forma que a Means TV se autodefine desde seu lançamento em 2020. Trata-se de uma plataforma de filmes, documentários e programas, além de conteúdos semanais ao vivo, como noticiários, jogos, e esportes.

Com mais de 19 mil apoiadores, a Means TV conta com dois tipos de assinatura para acessar os conteúdos. A assinatura mensal, com um período de 7 dias de teste grátis, custa 10 dólares. Já a assinatura anual custa 110 dólares e dá ao assinante 1 mês grátis.

Em resumo, é como se fosse uma Netflix, só que como cooperativa de plataforma. A Means TV é inteiramente financiada pelos seus assinantes (os cooperados), sem patrocinadores ou investidores de venture capital (capital de risco).

Ao todo, a construção da plataforma cooperativa levou mais de um ano, considerando todas as exigências para se tornar, de fato, uma estrutura funcional e democrática. Falando na gestão democrática, a organização foi dividida em 3 níveis de membros. Todos os resultados do final do ano são distribuídos entre eles com base na respectiva participação:

Sócios trabalhadores (70% do lucro): categoria para funcionários em tempo integral da Means TV. Esses membros podem servir no conselho e ter plenos direitos econômicos e de voto na cooperativa;

Membros contratados (20% do lucro): esta é uma categoria secundária para aqueles que trabalham para a cooperativa com frequência, mas que também atuam em outras empresas;

Membros royalty (10% do lucro): categoria para cineastas, distribuidores e equipe de produções originais. Funciona como royalties para pessoas que contribuíram com obras criativas ou propriedades de entretenimento significativas. Este grupo tem direitos econômicos na cooperativa.

A Means TV também conta com dois jogos interativos, um de 2020 e outro de 2022. Eles podem ser comprados e jogados em diversos consoles, como Nintendo Switch, Playstation, Xbox, e até no PC. 

Mensakas: Alimentação e entrega sustentáveis

A plataforma cooperativa Mensakas se dedica às entregas. O foco são entregas de refeições, atendendo apenas empresas comprometidas com o consumo responsável, com a economia social e, especialmente, com os direitos trabalhistas. Por isso, a organização afirma prestar um serviço tanto eficiente, quanto ético.

A Mensakas tem a missão de ser uma alternativa de distribuição responsável, oferecendo serviço de qualidade capaz de gerar emprego digno. A cooperativa de plataforma procura colocar seu quadro de entregadores no eixo central da operação. Além disso, a plataforma visa incentivar o comércio local e o respeito ao meio ambiente.

O surgimento da plataforma cooperativa se deu após uma greve que engajou milhares de entregadores do aplicativo Deliveroo, em várias cidades da Europa no ano de 2017. Em Barcelona, 30 dos entregadores grevistas demitidos pela Deliveroo iniciaram um processo de auto-organização que acabou resultando na criação cooperativa, que é apoiada pela CoopCycle, Federação Europeia das cooperativas de ciclistas entregadores.

Conclusão

Apesar dos desafios enfrentados no acesso a investimentos e na própria estruturação do negócio, as cooperativas de plataforma seguem surgindo e fazendo sucesso. E é por meio de iniciativas bem sucedidas que outros empreendedores e investidores se interessam pelo tema e promovem o crescimento da modalidade.

Esperamos que esta matéria ajude, inclusive, a pavimentar o caminho para o florescimento desse tipo de plataforma que gera benefícios econômicos em escala a partir dos princípios do cooperativismo. Ou seja, plataformas que tenham em sua essência a busca por uma sociedade mais justa e equilibrada e com geração de valor sustentável para todos.

Conteúdo desenvolvido
em parceria com

Coonecta